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Publicado em April 17, 2013, 9:11 a.m. - Notícias Fitrae

Desonerar a folha de pagamento dos estabelecimentos de ensino não melhora a qualidade da educação

*Por José Geraldo de Santana Oliveira


A Constituição da República Federativa do Brasil (CR) de 1988, em seu Art. 1°, estabelece  cinco fundamentos sobre os quais a República assenta-se: I- soberania; II- cidadania; III- dignidade da pessoa humana; IV- valorização do trabalho e da livre iniciativa; e V- pluralismo político.
 
No Art. 170, caput, a CR, ao tratar da ordem econômica, determina que ela se alicerce na valorização do trabalho e da livre iniciativa. Já, no Art. 193,  que abre o Capítulo da Ordem Social, estipula que esta tem como base o primado do trabalho e, como objetivos, o bem estar e a justiça sociais.
 
Infelizmente, passados mais de vinte e quatro anos da promulgação da CR, os poderes da República, notadamente, o Executivo e o Legislativo pouco fizeram para que se concretizasse o fundamento da valorização do trabalho, sem a qual não se efetivam a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o bem estar e a justiça sociais.
 
A prova desse proposital descaso pode ser facilmente encontrada nos diversos projetos de leis, de natureza trabalhista, em tramitação nas duas casas do Congresso Nacional, merecendo destaque o PL N. 4.330/2004, que visa a regulamentar a terceirização do trabalho, e prima pelo nefasto propósito de reduzir e/ou suprimir diversos direitos assegurados pelo Art. 7°, da CR ;  sendo que, em um de seus dispositivos, resultante de recente emenda proposta pelo deputado federal Artur da Maia, do PMDB da Bahia, chega a prever a supressão de todos, ao pugnar pela criação da esdrúxula figura de empresa sem empregado, por meio da qual o trabalhador vira, em um passe de mágica, pessoa jurídica, a quem se negam todos os direitos sociais.
 
Outra pérola que encontra eco nas hostes do Executivo e do Legislativo são as 101 propostas da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que visam a rasgar o Art. 7°, da CR, e a maioria dos que compõem a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para que sejam substituídos por outros de menor alcance social, ou de nenhum, que vierem a ser negociados em convenção e/ou acordos coletivos. Em uma palavra, seria a subordinação da Constituição e da Lei a estes instrumentos. A esta caricatura de direito, de caráter diabólico, a CNI, pomposamente, chama de prevalência do negociado sobre o legislado.
 
No entanto, esses poderes, que não demonstram nenhum apreço pela valorização do trabalho, não medem esforços para valorizar a livre iniciativa.
 
A cada dia são noticiadas medidas de caráter protetivo aos interesses da livre iniciativa, o que é alardeado à exaustão, pela imprensa e pelos, não se sabe o porquê, impropriamente chamados “especialistas”.
 
Porém, o mesmo não se verifica em relação ao trabalho. Ao contrário, quando, esporadicamente, ocorre de o Congresso Nacional ser iluminado por algum lampejo em prol dos trabalhadores, como no recente caso da Emenda Constitucional N. 72, que resgata direitos dos domésticos, vergonhosamente sonegados pelo constituinte de 1987 e 1988, os mesmos que tecem loas às medidas de proteção ao capital preveem o caos social. Como se a valorização do trabalho representasse uma chaga que deva ser extirpada da sociedade brasileira.
 
Desde o ano de 2011, a onda dominante é a da desoneração das empresas, que nada mais é do que a redução de impostos, em flagrante prejuízo à seguridade social, pois que os tributos que sofrem redução destinam-se à saúde, à previdência e à assistência sociais.
 
Essa onda teve início com a Lei N. 12.546/11. Posteriormente, a Lei N. 12.688/12, que resultou da conversão da Medida Provisória N. 559/2012, concedeu moratória e longo prazo para quitação de tributos sonegados, às instituições privadas de ensino superior.
 
Mais recentemente o deputado Cândido Vaccarezza apresentou emenda à Medida Provisória N. 601/2012, que altera a Lei N. 12.546/2012, com a finalidade de desonerar as instituições privadas de ensino superior, fundamentando a sua propositura em bases temerárias, que não resistem ao menor confronto com tais instituições.
 
A Constituição da República Federativa do Brasil (CR), no Título VIII, da Ordem Social, Capítulo II, dispõe que a seguridade social (saúde, previdência e assistência sociais) será financiada por toda a sociedade, estabelecendo, no Art. 194, inciso V, a “equidade na forma de participação no custeio”; e, no 195, que a contribuição das empresas recai sobre a folha de salário (inciso I, alínea ‘a’), a receita ou o faturamento (inciso I, alínea ‘b’)  e o lucro (inciso I, alínea ‘c’).
 
Extrai-se do dispositivo constitucional que a contribuição das empresas é cumulativa, recaindo sobre a folha de salário, a receita ou faturamento e o lucro, e não alternativamente, como o Governo Federal vem tratando a matéria, por meio da chamada desoneração da folha de pagamento.
 
À primeira vista, não há óbice para a aplicação dessa política, desde que ela não atinja a contribuição para a Previdência Social, que decorre de determinação constitucional, que não pode ser modificada, senão por meio de Emenda Constitucional, ainda assim, se esta não ferir os fundamentos da República.
 
Desse modo, há de se indagar, de plano, sobre a constitucionalidade das medidas governamentais de desoneração da folha de pagamento. O que não se fez, até aqui, ou, pelo menos, não foi divulgado.
 
Outro aspecto relevante a ser considerado é quanto ao que preconiza o Art. 194, inciso V, sobre a equidade na forma de participação no custeio da seguridade social.
 
Há dezenas de medidas governamentais, tratando da citada desoneração da folha de pagamento, nela incluída a contribuição à seguridade social. Porém, nenhuma delas desonera os trabalhadores, que continuam contribuindo pelas alíquotas de 8% a 11%, da remuneração mensal, até o limite de R$ 4.159,00, valor que representa o teto da Previdência Social.
 
Logo, tais medidas quebram, a um só tempo, os princípios constitucionais da isonomia e da equidade na forma de participação no custeio da seguridade social. O que, indiscutivelmente, caracteriza-se como inconstitucional.
 
Ao assim agir, o Governo Federal inverte o princípio constitucional de que cada um deva contribuir de acordo com as suas possibilidades: pois que, não dá nenhum incentivo ao trabalho e todos à livre iniciativa. Ou, dito em outras palavras, rasga o fundamento da República, insculpido no Art. 1°, inciso IV, da CR, que é o da valorização do trabalho e da livre iniciativa. Somente esta é valorizada, aquele é sempre espezinhado.
 
Para se conduzir com o mínimo de coerência e não rasgar os principais fundamentos da República, com destaque para o da isonomia e o da valorização do trabalho, impõe-se ao Governo que, no mínimo, na mesma proporção, que desonerar a livre iniciativa faça-o, também, em relação ao trabalho.
 
A destacada desoneração da folha de pagamento, se, por um lado, serve como incentivo às atividades econômicas, por outro, serve como medida desestruturante da seguridade social, ao diminuir a contribuição para o seu custeio.
 
Essas razões são mais que suficientes para se exigir do Congresso Nacional que abra intenso debate sobre esta matéria, por meio de audiências públicas, isto, claro, antes de aprová-la.
 
Esta é, pois, a primeira sugestão da Contee. A segunda é a de posicionamento contrário à Emenda proposta pelo deputado Cândido Vaccarezza e a todas as demais de igual jaez.
 
As comentadas emendas, que bem demonstram qual é a prioridade do Governo Federal, para o ensino, ao contrário do que disse o deputado Ulisses Guimarães sobre a Constituição de 1988, não têm cheiro de amanhã, mas, sim, de mofo. Ou, para se usar o jargão surrado, no Congresso Nacional, são matérias requentadas.
 
As bases sobre as quais se assentam são falaciosas e não resistem ao confronto com a realidade das instituições privadas de ensino, sejam em sentido estrito, sejam cooperativas.
 
Ao que parece, o único dado resistente é o do percentual de matrículas, absorvidas por essas instituições.
 
Para o generoso deputado, autor da discutida emenda, não merecem destaque nem relevância, a especulação financeira, na bolsa de valores, que é prática comum em quase todas elas; a falta de pesquisa e de extensão em, praticamente, todo o seu universo, inclusive nas que possuem status de universidade; a falta de plano de carreira efetivo e consistente, na esmagadora maioria delas, quando existente, este não passa de arremedo, com a finalidade de atender, formalmente, ao que preceitua o Art. 16, do Decreto Federal N. 5.773/2006; as péssimas condições de trabalho e os baixos salários oferecidos aos seus profissionais da educação escolar, em todas; as milhares de demissões, visando ao rebaixamento dos já precários salários e condições de trabalho, levadas a cabo, pela maioria delas, semestralmente, sem qualquer discussão, prévia ou posterior, com os respectivos sindicatos, o que se constitui em incontestável dumping social.
 
Apesar de tudo isto, o deputado Cândido Vaccarezza propõe a premiação dessas empresas. Importa dizer: para esse deputado, cabe ao Brasil, em matéria de ensino superior, construir o Estado de pior estar social, parafraseando o jornalista uruguaio Eduardo Galeano, sendo que, ao capital, tudo; ao trabalho, os ônus da tributação e da crise.
 
Como se não bastassem as medidas já tomadas, para desonerar o capital e onerar o trabalho e a seguridade social, o deputado Vaz de Lima, do PSDB de São Paulo, apresentou uma emenda ao PL N. 5323/2013 , propondo a desoneração das cooperativas.
 
Do mesmo modo que são falaciosos os argumentos expendidos pelo deputado Cândido de Vaccarezza, também o são os do deputado Vaz de Lima.
 
Se é fato que as cooperativas, na área do ensino, vêm se multiplicando, isto se dá pela incúria e descaso do Poder Público, que se nega a cumprir as suas obrigações constitucionais, para com a educação.
 
Esse crescimento, proporcionado e incentivado pelo poder público recalcitrante, não pode constituir-se em justificativa plausível para se premiar essa forma de organização empresarial, muitas vezes, travestida de associativismo.
 
Por outro lado, indiscutivelmente, é, igualmente, fato incontestável a precarização das condições de trabalho que as cooperativas oferecem a seus empregados, quando não fraudam todos os seus direitos, mesmo após o advento da Lei N. 12.690/12, que as regulamenta, quando a sua natureza é de trabalho.
 
Todas as condicionantes, expendidas sobre a emenda do deputado Cândido Vaccarezza, quanto às exigências para a sua aprovação, devem alcançar a do deputado Vaz de Lima.
 
Na provável hipótese de as emendas sob comentários encontrarem eco no Congresso Nacional, faz-se imperioso que se assegure que a chamada desoneração da folha de pagamento esteja condicionada à comprovação prévia de que o total desonerado seja, efetivamente, destinado à pesquisa, à extensão, à qualificação e titulação permanente dos profissionais da educação escolar, à implantação de plano de carreira, efetivo e consistente, à melhoria dos salários, e ao compromisso inarredável de que, ao menos enquanto durar tal desoneração, não haverá nenhuma dispensa sem justa causa; bem assim, que os salários sejam, igualmente, desonerados, para os mesmos fins invocados pelo deputado, autor da realçada emenda.
 
*José Geraldo de Santana Oliveira OAB-GO 14.090 Consultor Jurídico da Contee, da Fitrae-BC, da Fitrae-MT/MS, do Sinpro Goiás, do Sintrae-MS, do Sintrae-MT e do Sinpro Pernambuco


 

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